EDITORIAL | Na Araçá FM, Antônio bebe do mesmo veneno dado a Marcos Martins
Antônio Gomes experimenta, agora do outro lado da moeda, o sabor amargo do mesmo veneno que, por muitos anos, serviu a outros. Depois de ter sido tratado como convidado de honra durante o período em que governou Mari, o ex-prefeito vive hoje uma realidade diferente: na rádio que um dia o acolheu com tapete vermelho, ele se tornou quase uma persona non grata.
Nesta quinta-feira (16), Antônio voltou ao programa Liberdade de Expressão, da Araçá FM, para tratar dos mesmos problemas que motivaram sua fala anterior — as demissões em massa nas áreas de saúde e educação. Essas demissões foram atribuídas pela prefeita Lucinha da Saúde ao governo anterior, numa tentativa de deslocar a responsabilidade política para Antônio Gomes. Desta vez, porém, o tratamento da emissora foi ainda mais frio. Recebeu apenas alguns minutos no ar, de modo genérico e protocolar, sem espaço real para o contraditório.
Os apresentadores, embora respeitosos, o trataram como um robô — sem emoção, sem empatia, sem o calor humano que o rádio costuma ter. A sensação era de que torciam para o tempo passar, numa entrevista mecânica e desconfortável. A naturalidade deu lugar à indiferença, e o ex-prefeito foi ouvido apenas por formalidade.
A postura da rádio não começou hoje. Na segunda-feira (13), o ex-prefeito já havia tentado se justificar após a nota oficial da prefeita, que buscou transferir ao governo anterior a culpa pelas demissões em massa. Antônio reagiu com serenidade, afirmando que a atual gestão tenta distorcer os fatos para se isentar de responsabilidade. Disse que deixou o município com as contas equilibradas, respeitando os limites legais de contratação e que qualquer ampliação no número de servidores temporários ocorreu já sob o comando de Lucinha da Saúde.
É verdade que, fora do cargo, Antônio Gomes hoje é um cidadão comum. É justo que uma rádio mantenha suas regras de tempo e participação. Mas há exceções que se impõem. Quando o tema é de interesse público, quando há uma acusação formal e quando o contraditório pode esclarecer fatos que atingem toda a cidade, cabe ao jornalismo romper o protocolo e abrir espaço. O que estava em pauta não era um favor pessoal, mas um direito à resposta — e uma oportunidade de cumprir a função social da comunicação comunitária.
Além disso, a discussão omitida pela rádio é reveladora. Quando deixou o cargo, Antônio mantinha cerca de 58% de contratados. Hoje, sob o governo de Lucinha da Saúde, esse número chega a 97%. A diferença é expressiva e muda completamente o sentido da narrativa construída pela atual prefeita. Por que a rádio não discutiu esse dado? Ou, talvez, por que prefere não discuti-lo?
Há ainda outro sintoma preocupante. A Araçá FM, que nasceu com o propósito de dar voz à comunidade de Mari, tem trocado as pautas locais — que afetam diretamente a vida de seus ouvintes — por temas nacionais e até internacionais, frequentemente desconectados da realidade do município. O resultado é um esvaziamento da função comunitária da emissora: quanto mais fala do mundo, menos ouve o que se passa na sua própria cidade.
O episódio das demissões se ampara no Decreto nº 38/2025, publicado pela prefeita Lucinha da Saúde, determinando a rescisão de dezenas de contratos temporários nas áreas de saúde e educação. A medida, segundo a gestora, responde a alertas do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PB) e a uma notificação do Ministério Público da Paraíba (MPPB). Ainda assim, o impacto humano e político é inegável — e o silêncio da emissora diante disso é um retrato eloquente da seletividade editorial que tomou conta do jornalismo local.
A cena é simbólica e incômoda. Quando esteve no poder, Antônio tinha na Araçá FM uma aliada fiel, quase uma extensão de seu gabinete. Hoje, vive o mesmo isolamento que, anos atrás, cercou o ex-prefeito Marcos Martins — alvo preferencial da emissora, quando o poder estava do outro lado da mesa.
“Rei morto, rei posto”, diz o ditado. Em Mari, a frase se repete com perfeição cínica. O poder muda de mãos, mas os métodos continuam. E, nesse ciclo previsível, até o microfone muda de lado. No fim, todos acabam bebendo do mesmo veneno político que um dia ajudaram a destilar.