Edital de R$ 1,4 milhão para medicamentos em Mari (PB) tem erros, duplicações e valores acima da média

Reprodução Google/Site Oficial da Prefeitura de Mari 

A Prefeitura de Mari (PB) abriu um novo pregão eletrônico, no valor de R$ 1.457.359,00, para a compra parcelada de medicamentos destinados ao hospital municipal, à farmácia pública e às unidades básicas de saúde. O edital, de número 15/2025, foi publicado no Portal de Compras Públicas e prevê a aquisição de mais de 5 milhões de unidades de insumos. A abertura das propostas está marcada para 30 de julho.

Mas a nova licitação surge em meio a outro processo ainda inconcluso, o Edital nº 9/2025, iniciado em abril, no valor de R$ 1,2 milhão, cuja homologação segue paralisada. O ponto mais controverso do edital anterior é a destinação de R$ 747.571,20 — o equivalente a 62% do valor total — apenas para a compra de 17.280 comprimidos de ondansetrona 4 mg, medicamento usado para tratar náuseas e vômitos.

R$ 747 mil para um só item, com preço superfaturado

A Prefeitura orçou cada unidade da ondansetrona a R$ 42,92, segundo o Portal de Compras Públicas. No entanto, o mesmo medicamento é vendido no varejo por preços muito inferiores. Uma caixa com 10 comprimidos do mesmo princípio ativo pode ser encontrada por R$ 6,62 a R$ 19,29, segundo levantamento em sites como Cliquefarma e Drogaria Raia.

O valor orçado pelo município representa um sobrepreço de até 550% em relação ao mercado popular.

O medicamento — de uso específico, com maior aplicação em pacientes submetidos à quimioterapia ou cirurgias — não corresponde à demanda predominante da atenção básica em Mari, segundo apuração da reportagem com profissionais de saúde. Enquanto isso, medicamentos essenciais como dipirona, amoxicilina e captopril seguem em falta nas prateleiras.

Novo edital repete erros e amplia suspeitas

O novo edital (15/2025), em vez de corrigir os problemas da licitação anterior, reproduz padrões questionáveis. O jornalismo Paraíba 2.0 identificou ao menos cinco categorias de inconsistências na planilha:


1. Itens duplicados com diferentes nomes ou apresentações

Azitromicina aparece em comprimidos, suspensão 500mg e suspensão 40mg/ml, com volumes expressivos e sem justificativa clínica. Valor total: R$ 67 mil.

Metronidazol, antibiótico e antiprotozoário, é listado em quatro apresentações distintas, totalizando R$ 40 mil.

O mesmo ocorre com Loratadina, Dipirona, Paracetamol e Sulfametoxazol+Trimetoprima, configurando fracionamento artificial da licitação.

2. Quantidades excessivas e incompatíveis com o porte do município

80 mil comprimidos de Ibuprofeno 600mg, dosagem elevada e uso controlado.

80 mil unidades de Omeprazol 20mg, apesar de histórico de compras em massa já feitas.

200 mil comprimidos de vitamina C e 200 mil de captopril 25mg, totalizando 400 mil doses de uso contínuo, sem respaldo de estudos de consumo.

3. Preços inflacionados em comparação ao mercado público e privado

Paracetamol 750mg cotado a R$ 1,19 por unidade, quando o preço médio gira entre R$ 0,45 e R$ 0,65.

Sulfametoxazol + Trimetoprima por R$ 0,22, apesar de municípios semelhantes adquirirem o mesmo item a valores inferiores.

Rivaroxabana, anticoagulante caro, com 15 mil comprimidos listados — sem plano terapêutico público que justifique.

4. Medicamentos com demanda questionável

Antieméticos, antiflatulentos e cremes ginecológicos aparecem em volume elevado, sem que o edital forneça dados populacionais, epidemiológicos ou regionais que sustentem a necessidade.

Sais para reidratação oral, geralmente usados em emergências infantis, aparecem em 2.000 sachês, mesmo sem crise hídrica ou surtos.

5. Erros de digitação e falhas técnicas

Diversos medicamentos têm nomenclatura abreviada, incompleta ou incoerente, como “Captopril 25mg”, sem especificar se é comprimido ou solução.

Falta de código BPS ou Hórus, dificultando controle externo e transparência.

O termo de referência não apresenta histórico de consumo, nem relatórios de estoque.

Justificativa vaga e ausência de planejamento

A justificativa técnica do edital se limita a uma descrição genérica sobre “demanda específica e continuidade dos serviços”. Não há laudos, projeções, nem plano de distribuição por unidade de saúde. Sem esses dados, fica impossível aferir a compatibilidade dos volumes contratados com a realidade de consumo da rede pública de Mari.

Histórico de falhas e silêncio da gestão

Essa não é a primeira vez que a gestão da prefeita Lucinha da Saúde (PSD) lança licitações com planilhas recheadas de erros e inconsistências. Em abril, outro edital — também de R$ 1,2 milhão — foi alvo de questionamentos por valores incoerentes, excesso de medicamentos ginecológicos e ausência de critérios técnicos.

Apesar da ampla repercussão, a Prefeitura segue sem apresentar relatórios detalhados de execução orçamentária, nem explicações públicas sobre o destino dos insumos comprados ou não entregues.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Saúde de Mari e com o gabinete da prefeita, mas não obteve retorno até o fechamento deste texto.

Postagens mais visitadas deste blog

EDITORIAL | Lucinha e Acássio, respeitem o senhor Antônio Gomes

CARTA ABERTA | "O silêncio estratégico de um rompimento. Nós escolhemos falar."

EDITORIAL | O governo Lucinha da Saúde chega ao fim antes do tempo