Contrato de quase meio milhão em Mari (PB) vai para empresa com sede residencial e capital de R$ 20 mil

Licitação para compra de notebooks foi marcada por disputa conturbada, exigências técnicas específicas e resultado que levanta dúvidas sobre a lisura do processo

Foto: Reprodução Google/Site RotaPB 


Por trás de uma licitação de quase meio milhão de reais da Prefeitura de Mari (PB), está a vitória de uma microempresa com menos de dois anos de existência, capital social irrisório e sede em uma casa modesta, sem qualquer identificação comercial. A firma foi contratada para fornecer 200 notebooks à rede municipal de ensino.

A Dias & Victor Licitações LTDA venceu o Pregão Eletrônico nº 015/2025, aberto em 3 de julho, com valor total de R$ 446 mil — o principal lote de uma licitação cujo teto global era R$ 512.166,00. A homologação foi assinada oito dias depois pela prefeita Lucinha da Saúde (PSB).


Registrada em Juarez Távora, a cerca de 60 km de Mari, a empresa funciona em um imóvel sem qualquer estrutura visível de operação. Não há placas, não há fachada. Apenas uma porta simples, onde oficialmente funciona a fornecedora que agora deverá entregar 200 equipamentos com configurações avançadas exigidas no edital — incluindo processadores de 10ª geração, SSD de 256 GB, sistema Windows 11 e conectividade Bluetooth 5.1.

Imagem: Reprodução Google Maps 

O detalhe que mais chama atenção: o capital social da empresa é de apenas R$ 20 mil, 22 vezes menor que o contrato assinado com o município.


Apesar disso, a empresa não apenas participou, como superou uma concorrente que inicialmente apresentou a proposta mais barata. Essa concorrente, no entanto, foi desclassificada após recurso que alegava descumprimento de um item técnico: o sistema operacional ofertado. O argumento foi aceito. A Dias & Victor, então, assumiu a dianteira. A contrarrazão, assinada por Aline de Medeiros Araújo, representante da microempresa, tratou o recurso como “inoportuno e infundado”.


O pregão correu no Portal de Compras Públicas e está registrado no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) com o identificador PNCP-08917106000166-1-000053-2025. A tramitação formal seguiu o rito habitual: abertura, disputa, recurso, resposta e homologação. Mas a soma dos elementos — estrutura inexistente, valor elevado, curtíssimo histórico empresarial e uma disputa com contornos técnicos restritivos — acende um alerta. 

A questão que se impõe não é apenas como a empresa venceu. Mas por que uma empresa com estrutura tão limitada foi considerada plenamente habilitada para fornecer equipamentos com especificações técnicas tão exigentes — e em volume significativo — para um município com orçamento público sob vigilância.

Embora a Lei de Licitações permita a participação de microempresas, o contrato firmado com a Dias & Victor escancara uma fragilidade comum em municípios de pequeno porte: licitações conduzidas sob a aparência de legalidade, mas com cheiro de carta marcada. Práticas como essa não apenas comprometem a eficiência do serviço público, como também expõem a administração a riscos de descumprimento contratual, desperdício de recursos e futuras investigações por órgãos de controle.

A Prefeitura de Mari não respondeu aos e-mails da reportagem até o fechamento desta matéria.


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