ANÁLISE | Antônio que fez com Marcos, vê Lucinha fazer com Antônio

Por vezes, a política parece seguir roteiros que beiram o irônico. Em Mari, pequena cidade da Zona da Mata paraibana, um enredo digno de realismo político se desenrola em capítulos que mais lembram uma reedição mal adaptada da própria história. Um ciclo que, agora, cobra sua fatura — com juros e correção simbólica.

Na metade da década de 2000, Antônio Gomes ainda era o vice-prefeito. Viu no então prefeito Marcos Martins não apenas um aliado, mas um mentor. Não poupava elogios. Marcos, segundo ele, era “o maior administrador do Brasil”. Margareth Martins, irmã de Marcos e secretária de Saúde, era “a melhor de todos os tempos”. Com esses afagos públicos, Antônio selava uma aliança que lhe garantiria o salto político necessário. Com o apoio dos Martins, derrotou nas urnas um nome de peso: o ex-prefeito Adnaldo Pontes, o Gordo — hoje, lembrado com respeito por sua trajetória e memória.

Mas o tempo, como sabemos, é impiedoso com os pactos feitos à sombra de conveniências. No segundo mês de governo, Antônio Gomes virou a chave — literalmente. Proibiu o velho padrinho de cruzar os portões da Prefeitura. Trocou senhas da Secretaria de Finanças, onde atuava Wanderley Martins (in memoriam), irmão de Marcos. Demitiu Margareth da pasta da Saúde. O rompimento foi total. A política, em sua essência mais crua, mostrou que gratidão não é cláusula pétrea.

Avancemos para 2025.

Hoje, Marcos Martins assiste, talvez com um amargo sorriso no canto da boca, à reprise da história. Dessa vez, o protagonista que vira antagonista atende pelo nome de Lucinha da Saúde. Não era conhecida politicamente, tampouco tinha carreira consolidada na cena pública. Mas foi alçada ao poder pelas mãos de Antônio Gomes. Durante a campanha, ele dizia com orgulho: “Sou o professor dela”. Moldou sua imagem, transferiu seu capital eleitoral, esculpiu sua candidatura. E venceu. A pupila virou prefeita.

E então... o silêncio.

Lucinha, agora no comando, não atende ligações do seu criador. Desdenha de sua história. Excluiu sua nora das finanças municipais. A senha — símbolo que em Mari parece ser metáfora do poder — foi trocada. De novo.

Mais que isso: Lucinha incorporou ao governo nomes que, até bem pouco tempo, eram considerados desafetos históricos de Antônio Gomes. Gente que esteve do outro lado da trincheira. E, num movimento político que chama atenção nos bastidores, vem se aproximando de antigos aliados de Antônio — com gestos generosos, convites para compor espaços da gestão, e uma diplomacia que muitos interpretam como tentativa de “reconstruir pontes”. Há quem diga, com certa ironia, que ela está “comprando” o que restou do antigo círculo do ex-prefeito — no sentido político do termo, com cargos, acenos e promessas.

No fundo, é o mesmo roteiro, só que com novos atores no papel central. Antônio Gomes é o novo Marcos Martins. E Lucinha, hoje, talvez sem perceber, encarna o próprio Antônio dos anos 2000 — pragmática, calculista e sem tempo para afetos históricos.

Não há inocência nesse ciclo. Apenas a constatação de que, em certas geografias políticas, o passado nunca morre: ele apenas troca de nome e de endereço. A Lei do Retorno, por aqui, não é um princípio filosófico. É só mais um expediente da política local.

E o que talvez doa mais em Antônio é ver que os amigos de Marcos — que um dia estiveram ao seu lado — agora sorriem nos corredores da Prefeitura ao lado de Lucinha. O ciclo, enfim, se completa.


Foto: Reprodução Google/Rádio Comunitária Araçá FM 

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